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Datafolha, Doria e o ocaso do PSDB

Pesquisa mostra pior desempenho de um presidenciável tucano a esta distância de uma eleição. Sinal da fragilidade eleitoral do governador e da identidade da legenda

 

Além dos holofotes sobre o líder da pesquisa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o atual presidente, Jair Bolsonaro, o Datafolha divulgado nesta semana traz outro fato pouco destacado nas análises da mídia tradicional. Mas que representa uma mudança importante na história política do país: o desempenho do PSDB.

O levantamento tem como postulante do partido às eleições presidenciais de 2022 o governador de São Paulo João Doria, que alcança 3%. E nunca um presidenciável da legenda, a esta distância do pleito, teve um desempenho tão ruim. Para efeito de comparação, em 2 de maio de 2017, Geraldo Alckmin tinha 6%, o dobro das intenções de voto de Doria hoje. Aécio, que aparecia em outro cenário naquela ocasião, ostentava 8%. Em março de 1993, antes de o Plano Real catapultar FHC no ano seguinte, Tasso Jereissati aparecia com 5%

Ali, já se prenunciava o cenário de dificuldades que o candidato tucano teria em 2018. Mesmo com a maior aliança partidária entre os candidatos e o maior tempo de TV e rádio, Alckmin terminou em quarto lugar com 4,76% dos votos válidos. Foi o pior desempenho do partido que dividira com o PT o protagonismo na corrida ao Planalto em seis eleições seguidas. A bancada na Câmara dos Deputados também se reduziu, com a eleição de 29 parlamentares (hoje com 33). Bem distante, por exemplo, do recorde de 1998, quando contou com 99 representantes eleitos.

Até agora, nada indica que Doria, uma vez confirmada sua candidatura, tenha vida mais fácil que seu antecessor. O Datafolha mostra não apenas uma performance anêmica, mas também outras limitações. Ele é o terceiro em rejeição, com 30% dos entrevistados afirmando não votar nele em qualquer cenário. Nas simulações de segundo turno, sai derrotado por Lula, com bem menos da metade das intenções de voto do oponente, 57% a 21%. E ainda seria o único candidato a empatar tecnicamente com Bolsonaro em um eventual turno final.

Enfraquecimento notório

Em um contexto no qual o antipetismo era a tônica no cenário político, em especial na cidade de São Paulo, Doria se elegeu prefeito em um pleito, pela primeira vez, decidido no primeiro turno em 2016. Logo no primeiro ano de seu mandato, fez viagens pelo país sugerindo uma possível candidatura à presidência, pretensão convertida à postulação ao governo do estado no início do ano seguinte. A despeito de uma promessa, quebrada em outras ocasiões por tucanos na capital paulista, de cumprir seu mandato até o fim.

Na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, venceu seu adversário Márcio França (PSB) por pouco mais de 3% de diferença no segundo turno. Foi a primeira vez, desde 2002, que um candidato tucano não venceu já no primeiro turno uma eleição ao governo de São Paulo e foi também o triunfo mais estreito dos tucanos desde sua primeira vitória, em 1994, com Mario Covas. Sinal de “fadiga do material” da legenda, já há 27 anos no poder, mas também indícios de fragilidade do candidato.

Doria foi derrotado, neste mesmo segundo turno, na cidade em que cumpriu pouco mais de um ano e três meses de mandato à frente da prefeitura, ficando 16,2% atrás de seu adversário. Pesquisas divulgadas em 2021 com seu nome como candidato à reeleição o colocam fora de um eventual segundo turno. O governador de São Paulo, hoje, é sintoma, mas também causa, do definhamento de um partido muito distante de suas origens.

Longe das origens

Fundado em 1988 principalmente por dissidentes do PMDB, boa parte deles insatisfeitos com o domínio do então governador paulista Orestes Quércia na legenda, o PSDB nasceu com a ênfase em um discurso ético e contra o fisiologismo. E grande, com sete senadores e 37 deputados federais. Tinha entre seus quadros nomes como o de Mario Covas, primeiro presidenciável da agremiação em 1989, cuja atuação na Assembleia Constituinte o colocava no espectro da centro-esquerda. Diferentemente de outros colegas, prontamente anunciou apoio a Lula no segundo turno daquela eleição, subindo no palanque junto ao petista.

Embora já se tratasse de um partido de composição heterogênea, a preocupação social e o combate às desigualdades, além da defesa do parlamentarismo, aparecem em diversos itens do seu manifesto de fundação. Não à toa, portanto, integrantes do partido e analistas de uma forma geral viram com estranheza a aliança entre os tucanos e o PFL (hoje DEM), comandado pela emblemática figura de Antônio Carlos Magalhães, nas eleições presidenciais de 1994. Anos mais tarde, a junção de ambos soaria natural, dada a proximidade de ideais e ações de ambos, um nascido de dissidentes do partido de sustentação da ditadura (PDS, ex-Arena) e outro saído de seu opositor, o ex-MDB. O que não deixa de dizer muito a respeito de nossa “transição democrática”.

À frente do Planalto, abraçando a austeridade fiscal e outros princípios neoliberais como as privatizações, o PSDB inchou como quase toda legenda que chega ao poder. De forma até acelerada, perdeu quase toda o verniz que poderia justificar a “social-democracia” que está em seu nome. Mesmo assim, às vezes jogando de forma mais ou menos pesada em determinadas eleições, atuou dentro do campo considerado democrático do ponto de vista formal, mesmo nas derrotas eleitorais após os oito anos de gestão FHC. História que mudou em 2014.

A candidatura presidencial de Aécio Neves consolidou uma mudança gradual do PSDB para um campo extremo da direita. O ex-governador mineiro, antes também presidente da Câmara dos Deputados, sempre teve contra si acusações como o controle da imprensa em seu estado, ajudado pela irmã. Mas tinha um perfil que privilegiava a interlocução política com diferentes setores. No pleito de 2014, contudo, travestiu-se de um antipetismo aguerrido, contou com a colaboração do subterrâneo das redes sociais (que, em parte já estava com Serra em 2010, e mais tarde migraria para Bolsonaro), E seguiu na linha do extremismo calcado em um suposto combate à corrupção que resultaria no questionamento ao resultado eleitoral.

A metamorfose do PSDB

Em uma entrevista concedida ao jornal Valor Econômico em 2011, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, um dos fundadores do PSDB, falava a respeito de uma “profecia” do ex-governador de São Paulo e também fundador da legenda, Franco Montoro, sobre o destino do partido. À época da fundação, conta Bresser, Montoro resistia à incorporação da expressão “social-democracia”, já que tinha ele origem democrata-cristã, e em diversos países da Europa os sociais-democratas eram os principais oponentes da sua linha política. Uma vez vencido, questionou:

“Muito bem, mas e se esse bendito PT, que se diz revolucionário, que tem propostas para a economia brasileira completamente irresponsáveis, chega no poder ou perto do poder e se domestica, e se torna social-democrata, como aconteceu na Europa? Eles têm toda uma integração com os trabalhadores sindicalizados, que nós não temos, então nós vamos ser empurrados para a direita.”

Isso de fato aconteceu, guardados os devidos termos, obviamente. O PT, para chegar ao Planalto, fez uma aproximação ao centro, selada com a aliança com o PL e a vaga de vice para o empresário José Alencar. Mas o PSDB já tinha ido para a direita antes da previsão de Montoro, ao se juntar ao PFL, e ainda mais durante a presidência de FHC. Uma vez oposição ao governo petista, migrou ainda mais para o lado destro, até tocar a borda.

Não se pode ignorar o papel de José Serra tanto na Constituinte quanto na resistência ao ortodoxia econômica encarnada por Pedro Malan na gestão FHC, quando liderava uma ala de cunho desenvolvimentista. Foi um adversário leal contra Lula em 2002, mas em 2010, na sua segunda tentativa de chegar ao Planalto, já não era o mesmo Serra. No segundo turno daquela eleição, o tucano chegou a apelar para temas como o aborto na tentativa de derrotar Dilma Rousseff. Buscou ainda usar o anedótico episódio da bolinha de papel em seu favor.

Temas morais foram ainda importantes para as vitórias tucanas nas eleições municipais de seu berço político, a capital paulista. Embora hoje um integrante do PSDB ser prefeito possa soar como algo normal, a legenda só chegou ao poder em 2004. Antes, foram quatro eleições nas quais reinou o embate entre o PT e o malufismo. O primeiro triunfo veio justamente com o declínio da força de Paulo Maluf, com os peessedebistas ocupando esse espaço. E adotando uma boa parte da sua retórica conservadora para cativas este eleitorado.

Sempre político

As eleições de 2014 e as manifestações de 2015/2016 contra o governo Dilma acenderam um sinal de alerta para integrantes de partidos tradicionais quando tentaram surfar em uma onda que acharam ser apenas anti-esquerda ou antipetista. Aécio e Alckmin foram hostilizados em uma manifestação pró-impeachment em março de 2016, na Avenida Paulista. O clamor pelo “novo” ou o que em tese estaria fora da política tradicional fez o então governador, pré-candidato à presidência, buscar um outsider.

João Doria não era um nome absolutamente estranho no cenário político. Sempre conviveu no meio, junto a outros tantos empresários, e tentou comandar, em julho de 2007, um fracassado movimento denominado Cansei. Uma mobilização contra o governo Lula, que teve como gancho o  acidente da TAM que vitimou 199 pessoas em Congonhas naquele mês. À época, Doria já negava o “caráter político” de uma mobilização essencialmente política.

Chegou a ser ridicularizado pelo ex-governador Cláudio Lembo. “É um pequeno segmento da elite branca. O movimento deve ter começado em Campos do Jordão”, disse, em alusão à cidade em que Doria promovia desfiles caninos. No entanto, nove anos depois o jogo virou.

Após uma renhida disputa dentro de seu partido, no qual, como militante efetivo, era um recém-chegado, foi candidato a prefeito em 2016, incentivado pelo padrinho Geraldo Alckmin. Logo se voltaria contra seu mentor ao ensaiar voos mais altos, não descartando uma possível candidatura presidencial já em 2018.

O flerte do PSDB com o neofascismo

Mais tarde, como candidato a governador, evitou colar a sua imagem à de Alckmin, que não ultrapassava a casa de um dígito nem mesmo no estado (terminou com 9,52%, em quarto lugar no primeiro turno). Finda a primeira volta, abraçou com força a candidatura de Jair Bolsonaro, afeto que não foi retribuído ao menos publicamente. Na disputa contra Márcio França, abusou do antiesquerdismo, associando seu adversário ao PT. Chegou a reforçar o apelido que já havia dado a ele de “Márcio Cuba” e se valendo de todo tipo de discurso que chegava a ultrapassar o limite do conservadorismo.

Em 2 de outubro, por exemplo, disse em entrevista à Rádio Bandeirantes. “Não façam enfrentamento com a Polícia Militar nem a Civil. Porque, a partir de 1º de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão”, afirmou. Chegou a falar em contratar “os melhores advogados” para defender policiais envolvidos em ações que resultem em mortes. “Vamos acrescentar assistência jurídica. Me constrange saber que um policial militar, independentemente da sua graduação, está defendendo a população na rua, mata um bandido, tem uma situação qualquer que ele se defendeu e defendeu a população, e ele, depois, num processo, ainda tem que pagar o advogado para lhe defender.”

Qualquer semelhança com o que diria o atual presidente, ainda como deputado, não é mera coincidência. Embora mude de posição de acordo com as pesquisas feitas de forma contínua por seu estafe, Doria vestiu um figurino que sempre lhe caiu bem. Se alguns tucanos tiveram que mudar de estilo e de discurso para angariar votos, este nunca foi o problema do atual governador de São Paulo. A grande questão é que, quando você adota uma postura extremista, o caminho de volta às vezes é impossível.

Alta rejeição

Mesmo com uma mídia simpática e o aval de ter no Butantan um instituto que produz a maior parte das vacinas aplicadas contra a covid-19 no Brasil, Doria é, por ora, um político na berlinda. Tem alta rejeição e pouca popularidade em seu estado, segundo as pesquisas. Perdeu ainda espaço da extrema direita para Bolsonaro, cujos apoiadores o veem como traidor, e tampouco conta com o eleitorado de esquerda, por motivos óbvios. E mesmo o eleitorado de centro ou centro-direita tem preferência por outros nomes.

O governador tem dificuldades dentro de seu próprio partido, onde o estilo “trator” não atrai aliados. Trouxe seu vice Rodrigo Garcia para a legenda, procurando viabilizar sua candidatura ao governo paulista caso concorra à presidência. O que se choca com o anseio de parte dos tucanos que vê em Geraldo Alckmin, único com dois dígitos nas sondagens, maior chance de manter a hegemonia no estado. A manobra, aliás, pode precipitar a saída de Alckmin, um dos primeiros filiados da legenda.

Para pleitear a vaga à presidência, Doria deve enfrentar prévias cujo formato ainda não está definido. Um dos seus adversários é outro novato, o governador gaúcho Eduardo Leite. Leite também votou em Bolsonaro no segundo turno, ainda que de forma menos entusiasmada que seu colega paulista, que literalmente vestiu a camisa Bolsodoria.

A encruzilhada do PSDB

psdb
Também estariam na briga dois tucanos com histórico no partido. O ex-prefeito de Manaus e ex-senador Arthur Virgílio disse que desistiria de concorrer caso Tasso Jereissati, um dos fundadores da legenda, optasse por entrar na corrida. O senador cearense admite disputar, mas ainda não confirmou sua pré-candidatura.

Mas perceber o que houve no PSDB passa também por olhar a atuação de seus parlamentares. Izalci Lucas, senador pelo Distrito Federal, por exemplo, se diz independente. Mas, na prática, tem atuado na defesa do Planalto na CPI da Covid e já ocupou a vice-liderança do atual governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, também é tucano e sua presença na Esplanada não causa nenhum tipo de reação por parte de seus companheiros de agremiação. Até porque a bancada peessedebista é das mais fieis a Bolsonaro.

Sem identidade e com o avanço do bolsonarismo, explícito ou envergonhado mas conectado com o seu ideário, o PSDB está em uma encruzilhada. Sua origem social-democrata se perdeu e talvez seja irrecuperável. Pode se tornar dominado por um discurso extremista, com o risco ainda de perder integrantes moderados para outras legendas nas quais teriam mais chances eleitorais. E o mercado, nesse aspecto, é bastante atrativo e variado.

Aconteça o que acontecer em 2022, o PSDB terá que ir em busca de uma identidade. Nesse cenário, perder São Paulo, seu grande bastião, seria trágico do ponto de vista político-eleitoral mas também uma oportunidade. Sem debater o que pretende e o que é (ou deveria ser), o partido, em breve, poderá figurar como apenas mais um na prateleira na qual aparecem diversas siglas e nem sempre é possível diferenciar a textura e o sabor de uma e de outra. Um triste fim de uma legenda que nasceu com outros propósitos.

de Rede Brasil

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