A cena é quase teatral: palanque armado, luzes piscando, discursos embalados pelo refrão da banda. Enquanto isso, muitos dos que aplaudem já estão em atividade no hospital, mas sem nomeação oficial. É como se a música fosse um hino ao paradoxo: “trabalha, mas não existe; serve, mas não é reconhecido”. O doce pecado, nesse caso, não é melodia, é metáfora — arrependimento disfarçado de festa ou sarcasmo travestido de confraternização.
A gestão, perdida desde o primeiro compasso, parece acreditar que som alto substitui transparência. O hospital precisa de estrutura, mas recebe palco. O servidor precisa de nomeação, mas ganha show. O contribuinte precisa de serviço, mas paga cachê. É o pecado administrativo transformado em espetáculo cultural, com direito a aplausos e selfies.
E o mais curioso é que a festa, vendida como confraternização, soa como ironia cruel: confraternizar com quem já saiu, enquanto quem ficou continua invisível. É como se a prefeitura dissesse: “não temos como reconhecer oficialmente o seu trabalho, mas oferecemos música para anestesiar a indignação”. O doce pecado, portanto, é a tentativa de dourar a pílula amarga da desorganização.
No fim, Macau não ganhou apenas um show. Ganhou uma sátira viva: a banda tocando “Doce Pecado” enquanto a gestão desafina no básico. O povo, que não é bobo, percebe que festa sem propósito é só cortina de fumaça. E que governar não é compor refrão chiclete, mas acertar o ritmo da responsabilidade.
Se é arrependimento ou sarcasmo, só a plateia pode dizer. Mas uma coisa é certa: em Macau, o doce pecado não está no palco — está na política que transforma trabalho gratuito em espetáculo pago.


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